22.1.09

Violência: Ação e Prevenção

Por Alan Souza, professor e blogueiro.

É lamentável ver que em Belém a velha piada do andar feito caranguejo (para trás...) ainda possa ser aplicada a algumas situações, notadamente onde se deveria buscar o avanço social. Ou quando muito que, se não avançassem, pelo menos não retrocedessem...
A situação de violência em Belém é fruto de uma série de fatores. Falta de efetivo policial, falta de policiamento ostensivo e falta de planejamento, tanto de ação efetiva como planejamento futuro. Mas tudo pode ser resumido numa só situação: falta de ação do Estado.
Registre-se, a bem da verdade, que o atual governo recebeu a situação já bastante deteriorada de seus antecessores - lembre-se da tristemente célebre declaração acerca da “sensação de insegurança” de Simão Jatene... Mas já se vão dois anos, e seria tempo de se colher alguns resultados, se políticas de planejamento e ações preventivas de longo prazo tivessem sido implantadas, na área de segurança.
Policiamento metropolitano hoje é eminentemente preventivo, calcado em estudos prévios para sua implementação, estudos esses de natureza sociológica, estratégica e estatística. Não quero dizer que o policiamento não será ostensivo e constante, mas sim que será planejado e preventivo, e acima de tudo deve ser pensado para ser de longo prazo.
Primeiro, é preciso ter um mapa estatístico da criminalidade, saber onde o crime acontece e que tipo de crime é. A partir daí, definem-se variáveis como grau de ostensividade e freqüência do policiamento, tipo de ação policial requerida, equipamento necessário para cada área, definição de padrão do policial atuante em determinado local, etc...
Para isso é preciso ter policiais em número suficiente e com qualificações distintas, para atuar em cada situação. Cito dois exemplos: policiais com excelente preparo físico para atuar em áreas de terreno acidentado e descontinuado; e policiais com alto grau de preparo psicológico e destreza no manejo de armas para lidar com áreas de risco de assaltos e sujeitas a ações de grupos armados (bancos, grandes lojas, áreas de comércio).
Concomitantemente, é preciso identificar as causas e os elementos facilitadores e/ou indutores da criminalidade, para atacá-los igualmente de forma planejada e estratégica, a longo prazo.
Ocorre que pelo menos em Belém, onde a vitrine da violência é grande (o que não significa que a violência não seja igual ou ainda maior do que em outras áreas do Estado), está se optando pela implantação de um modelo ultrapassado de policiamento: a política reativa de tolerância zero, a qual, pelo que leio nos jornais de Belém (O Liberal de 10/01, O Diário do Pará de 09/01) que a tolerância zero está sendo apresentada como a necessidade do momento para a solução da violência em Belém.
A política de tolerância zero talvez seja a mais exaustivamente estudada das vertentes de criminologia e ação policial já implantadas, uma vez que é possível identificar desde suas origens, em 1982, através da “teoria das janelas quebradas” (broken windows theory), obra conjunta do cientista político James Wilson e do criminologista George Kelling, ambos norte-americanos, até os resultados efetivos de sua utilização naquela que foi a grande vitrine do movimento – a Nova York dos anos 90.
Os melhores estudos sobre o tema são do sociólogo francês Loic Wacquant, professor da Universidade de Berkeley, que em dois excelentes livros destrinchou a política de tolerância zero e seus efeitos: “As prisões da miséria” e “Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos”.
Concluiu-se basicamente que se trata de uma política equivocada, que atinge duramente as classes pobres da população, e não apresenta resultados duradouros, eis que se trata de uma ação meramente reativa e localizada, feita para apresentar soluções imediatas e produzir uma sensação de segurança (não deixe o Jatene ler isso, por favor...), mas não é uma ação estruturante, estudada e desenhada para ser permanente.
Mais ainda, Wacquant demonstra, com dados estatísticos, que as grandes vítimas da ação de tolerância zero foram os pobres, os negros e estrangeiros, principalmente latinos. Constatou-se ainda que o abuso de poder policial anda emparelhado com a política de tolerância zero, principalmente nas áreas mais empobrecidas da metrópole (alguma semelhança com os acontecimentos dos últimos dias na nossa querida Belém?).
Enfim, a política de tolerância zero apresentou como principal problema o fato de enfrentar a criminalidade de forma localizada, e não sistêmica, o que a conduz a uma confrontação com os segmentos mais empobrecidos da sociedade e nos locais de maior circulação das classes baixas.
E o fato do binômio criminalidade/violência ser associado à pobreza é algo hoje ultrapassado. Sabe-se que não é a pobreza que gera a violência e a criminalidade, mas sim a falta de presença estatal – não só através de seus agentes ordenadores, mas também pela ausência de políticas sociais de assistência e bem estar.
O surgimento do crime organizado (as máfias) no sul da Itália é a prova disso. Camorra, Cosa Nostra e ‘Ndranghetta floresceram no sul da península itálica não pela pobreza destas regiões, mas pela ausência do estado e pela desordem política vivida na região. O mesmo se pode dizer do surgimento do ciclo do cangaço no Nordeste brasileiro.
Enfim, infelizmente, quer me parecer que ainda estamos bem distantes da solução efetiva do problema da violência, na nossa querida Belém...

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito o comentário de Alan Souza. O que estranho é que, lendo o plano de segurança Pública Estadual lançado ano passado verifico que existem discrepâncias entre o que alí está escrito e o que está sendo praticado. Aqui cito o plano:segurança cidadã, políticas de segutança dialogando com políticas de inclusão social, respeito aos direitos humanos, qualificação profissional aos agentes de segurança pública, etc. Aliás, para um leitor mais atento, verifica-se que o sociólogo francês citado no post - Loic Wacquant é citado diversas vezes neste plano. O que está ocorrendo? Este plano pode não estar sendo lido e (introjetado) pelas pessoas da Segurança Pública ou simplesmente, esqueceu-se de todos os princípios ali contidos, diante do desespero do momento e clamores dos segmentos mais elitizados. Afinal é tolerância zero ou segurança cidadã?